quinta-feira, 7 de junho de 2007

A chegada de Luiz Gonzaga no reino do céu

A chegada de Luiz Gonzaga no reino do céu

Tudo em volta é só tristeza
Pois morreu o Gonzagão
Esta figura ilustre
O famoso rei do baião
Partiu dessa pra melhor
Foi pro céu tocar forró
Bateu asas do sertão

O sertão que é tão triste
Na voz dele se alegrava
Quando pegava a sanfona
O povo todo se animava
Quando puxava o fole
Os nego ficava mole
A noite toda dançava

A caboclada se apertava
Numa sala de reboco
Balançando o esqueleto
Parecendo tudo louco
Dançava com euforia
Via amanhecer o dia
E ainda achava pouco

Por isso entendo o motivo
Que esse povo todo chora
Chora homem e menino
Até mesmo as senhora
É que o cabra era bom
E outro com o mesmo dom
Aparece mas demora

Vocês não imaginam
Isso que eu vou lhes contar
Vi Seu Lua chegar no céu
Juro eu estava lá
O cabra chegou cedo
E foi dizendo a São Pedro:
-Abra pro mode eu entrá

São Pedro lhe respondeu:
-Eu estava lhe esperando
Mas vamos devagar
Não é como estás pensando
Hoje chegou o seu dia
Mas aqui tem diretoria
Não é chegar e ir entrando

-Tenha calma Seu Gonzaga
Espere só um pouquinho
É que eu tenho que olhar
No sagrado pergaminho
Isso é ordem do Senhor
Nosso amado criador
Eu já volto rapidinho

-Se você amou ao próximo
De todo seu coração
O seu nome está escrito
No livro da salvação
Porém se não foi assim
A coisa fica ruim
Aqui tu não entras não

E Gonzaga no seu canto
Nem um pouco se abalou:
-Eu sempre fui temente
A Jesus meu Salvador
Eu rezava todo dia
Pra minha Virgem Maria
Pode olhar faça o favor

São Pedro lia e relia
Com toda sua atenção
E Gonzaga então mudava
Já batendo a aflição
A ansiedade era tanta
Que tava seca a garganta
De tanta preocupação

São Pedro voltou sem graça
E falou pra Gonzagão:
-Tenha calma cavalheiro
Seu nome não tá aqui não
Gonzaga disse:-É impossível
Será uma coisa terrível
Se eu perder a Salvação

-Olhe de novo São Pedro
Acho que o senhor se engana
O meu nome é Luiz Gonzaga
Filho de Januário e Santana
Olhe com mais atenção
Eu não tenho pressa não
Espero mais uma semana

Gonzaga desesperou
Chorando feito criança
Então São Pedro falou:
-Filho tenha esperança
Espere só um minutinho
Que eu já volto rapidinho
Quem espera sempre alcança

Pedro volta com outro santo
Pra acabar com o rebuliço
Esta figura serena
É o famoso padre Ciço
Gonzaga se ajoelhou
E a mão dele beijou:
-Por favor resolva isso

-Gonzaga foi meu devoto
Isso eu posso confirmar
Vou fazer o que eu puder
Tudo para lhe ajudar
Olhe eu não demoro não
Vou lá na repartição
Com meu chefe eu vou falar

Não demora Ciço volta
Chega meio encabulado
-Não sei como começar
Perdoe-me filho amado
Acontece todo dia
Culpa da burocracia
Ainda não foste julgado

O portão então se abre
Gonzaga logo adentrou
Foi escoltado por anjos
À presença do Senhor
Parecia uma miragem
Era linda aquela imagem
De Jesus, o Salvador

Ele então se abestalhou
Com tudo que viu ali
O grande júri se formou
Pro seu destino decidir
Tudo vai se resolver
Não tem pra onde correr
Vais chorar ou vais sorrir

A advogada de defesa
Era a Virgem Imaculada
Esta santa protetora
Uma mulher abençoada
Que usando sua voz
Sempre intercede por nós
Nesta hora esperada

No lado da acusação
Estava Satanás, o belzebu
Bicho feio e fedorento
Parecendo um cururu
Fica o tempo todo olhando
Com paciência esperando
Igualzinho um urubu

O capeta não demora
Já foi logo provocando:
-Não adianta Gonzaga
O inferno tá te esperando
Você sabe que eu sou ruim
Vou levar você pra mim
Venha logo, vamos andando

Quanto mais o cão falava
Mais Luiz Gonzaga tremia
Nessa hora se lembrou
Rezou uma Ave Maria:
-Mãe interceda por mim
Não pode ser esse o meu fim
Não era isso que eu queria

-Esse Gonzaga era um enganador
Por isso tem que ser meu
Será que o senhor não lembra
Das coisas que ele escreveu
Vou lhe refrescar a memória
Lembra-se daquela estória
“Um pra eu, um pra tu, outra pra eu”

-O senhor como um bom Juiz
Não defenda esse jumento
Que agora depois de morto
Só sabe chorar lamento
Agora não mais apronta
Antes exagerava na conta
Um tal de dezessete e setecento

-Que mentira que lorota boa
Hoje finge que esqueceu
Cabra véio mentiroso
Mentiu tanto quanto eu
Agora vem cheio de pranto
Mas nunca que foi santo
Dessa vez tu já perdeu

-Controle-se cidadão
Vamos andando devagar
Esta casa é divina
Você tem que respeitar
Você falou, eu escutei
Agora chegou a vez
Da defesa começar

-Meu filho, Gonzaga foi
Uma criança com problema
Ele era nordestino
Esse era seu dilema
Ele fazia sem querer
Era pra sobreviver
Foi um fruto do sistema

-Também não pode esquecer
Seu momento de oração
Ele já cantou pra mim
Padre Cícero e Damião
Fez a missa do vaqueiro
E pra todo brasileiro
Ele é recordação

-Não ouça o que o diabo diz
A ele não dê ouvido
Gonzaga é um bom homem
E já está arrependido
Deixe Satanás na espera
Enquanto o céu prospera
O inferno está falido

-Homem você não tá vendo
Ela quer mandar em você
Ele é um pecador
Agora quer se arrepender
Deixe dele eu tomar posse
Vai ver o que é bom pra tosse
No inferno vai arder

-Gonzaga está absolvido
Não tem mais o que falar
Volte já para o inferno
Porque lá é seu lugar
Aproveite e tome um banho
Pois fedor desse tamanho
Não tá dando pra agüentar

-Gonzaga fique a vontade
Você não é mais réu
Tome aqui sua sanfona
Seu gibão e seu chapéu
Deixe a munheca mole
Puxe logo esse fole
Hoje tem forró no céu